12 de junho de 2012

Jardim de Estações

No final da década de 70 do século passado, o ramal ferroviário
de Igarapava da antiga Companhia Mogiana de
Estrada de Ferro teve o seu trecho original substituído por
uma variante que corria mais a oeste
da cidade de Jardinópolis - SP. Tempos depois
os trilhos foram retirados e apenas algumas
estações sobreviveram...

Jardinópolis possui em seu canteiro cinco flores da Mogiana. Estas antigas estações são espécies resistentes,
sobreviventes ao abandono e
falta de manutenção.
Ao chegar àquele município fomos recepcionados pela primeira flor, "Flor do Cerrado".
Plantada bem no centro da cidade, lugar privilegiado, uma das poucas que recebe algum tipo de cuidado.


Com seus tons esverdeados observa sorrateiramente o movimento dos que por suas instalações
transita. Hoje é terminal rodoviário, uma pena reformas irregulares, como o
anexo na antiga plataforma de embarque, esta descaraterizando este
belo exemplar histórico.



Daquele ponto seguimos para o norte da cidade, uma acanhada estrada de terra foi a maneira
mais coerente de alcançar nosso destinho. Não tardou muito e nos deparamos
com uma venda bem grande, num local ermo, indício que ali em algum momento da história
a movimentação era considerável. Logo atrás em meio a pés
de cana de açúcar, repousa a taciturna
Estação Cresciúma.


Como uma Bromélia que não carece muitos zelos, nossa segunda
flor parece inclinar como se buscasse algo. Seu jardim não recebe reparos há tempos, e suas
dependência são depósitos da fazenda vizinha.



Depois de alguns registros fotográficos, fomos a procura
de novos canteiros e chegamos a Jurucê.
Este gracioso distrito, próximo sete quilômetros de
Jardinópolis possui nossa terceira princesa:
"Flor de Sarandy".


Afável a pequena Estação Jurecê tem hoje várias
funções, dentre elas é cartório,
bar e ponto de ônibus inter municipais. O que um dia foi
o pátio ferroviário agora cede lugar a uma singela
praça. Algumas fotos e certa contemplação,
partimos satisfeitos com o que encontramos.



Não muito longe dali - algo entre dois quilômetros -
percorrendo o que foi o leito ferroviário, uma preciosidade nos aguardava: o "Trevo de Três Pontas".
Conhecida popularmente por Entroncamento, essa amostra
da arquitetura ferroviária possui um projeto raro.



 




















Seu interior é magnífico, no cerne um pé direito duplo
é de encher os olhos, dele
saem três grandes pétalas compondo sua estrutura,
cada qual nos leva a uma paisagem impar.
A primeira te transporta para o que era a plataforma de
embarque e desembarque dos trens
que vinham e iam para Ribeirão Preto e
o ramal de Igarapava.
Dali nós avistamos a ponte férrea sobre o rio Pardo,
desativada! Algo que não nos impede de apreciar
o espetáculo do momento...


A segunda pétala te leva à plataforma dos que partiam
e/ou chegavam do trecho conhecido como Linha do Rio Grande e
Ribeirão Preto.
Ali onde grandes árvores sombreiam a plataforma
um prédio ferroviário chama atenção.
Vim saber depois se tratar da primitiva estação
Entroncamento.


A terceira e última te convida a uma modesta
estalagem, na entrada uma escadaria tomada pelo limo nos conduz aos aposentos. Mesmo estando toda em ruínas
podemos avaliar o quanto era acolhedora e confortante,
privilégio de poucos que podiam arcar com
a hospedagem enquanto aguardava o próximo comboio.






Apenas uma cerca de arame farpado separa de vândalos,
curiosos e admiradores, triangular Entroncamento.
Uma pena ver que essa intrépida obra prima da Mogiana é frágil, desprotegida e corresério risco de extinção.



Em busca da última flor, pegamos uma estrada de terra solta,
destas que quando passa algo cira uma nuvem de poeira
densa. Neste ponto a paisagem dos dois lados do caminho
é tomada por pés de cana de açúcar, monocultura
substituta dos cafezais de outrora.
Ao sopé de uma pequena serra bem na sua porção sudeste, nos
deparamos com o leito erradicado. A estrada vai ladeando-o
até chegarmos a uma fazenda homônima a estação.


Visconde de Parnaíba, uma encantadora flor com título
de nobreza, bem a altura das suas instalações, é
comparada a uma "orquídea" que busca o céu para desabrochar.
A estação aparenta querer fazer o mesmo, sendo
a única de dois andares desta região,
na sua época ficava a observar o vale que se
estendia aos seus pés, hoje,
algumas árvores a impede de fazer o mesmo.


Ali quase tudo é original, plataforma, portas, janelas
a velha caixa d'água, tudo atendendo as necessidades
da fazenda, depósito é um dos seus ofícios.


Aqui, deixamos para trás
o ramal de Igarapava e
seguimos pelo trecho: Linha do Rio Grande.
Nossa saga estava pela metade e ainda viria uma epopeia pela frente.
Mais ali, ao vivenciar estas flores de Jardinópolis constatamos
que cada estação rende ao desprezo que lhe assola,
resiste aos poucos cuidados que lhe abraçam
e agoniza ao destino que as esperam.

É...
De fato,  nem tudo são flores!

Jardinópolis - SP



1 de junho de 2012


Coronel Pereira Lima
Ao sol do meio dia, o mormaço tomava conta da paisagem quando
descobrimos que para ser chegar àquela estação bastava pegar uma estrada vicinal que
nascia ou morria logo após os trilhos cruzarem a rodovia.
 Assim que entramos, o caminho de terra batida ia margeando o novo leito ferroviário, não tardou muito
 e avistamos a estação Coronel Pereira Lima – Nova.*
 

A pequena estação jazia sobre o silêncio, quebrado apenas pelo barulho
 dos carros trazido pelo vento. Como a maioria das suas irmãs,encontra-se
renunciada ao descaso, predestinada ao léu podendo quem sabe um dia ter
um novo ofício.
Voltamos à estrada e seguimos em busca da original Cel. Pereira Lima.
Aos poucos o terreno foi se curvando até chegar a pequeno córrego,ao transpô-lo o cheiro das velhas estações vai ficando
 em evidência, dando pistas
 que estamos próximos.
Após uma ligeira curva
que a própria estrada conduz, presenciamos uma mata fechada que devagar
vai expondo partes do antigo prédio.




 Um cachorro ao longe latia incomodado
com nossa presença, nada que
impedisse a vontade de chegar perto
 da majestosa estação deitada
a sombra de eucaliptos novatos.
Ao passo que ia revelando o belo prédio arquitetônico,
uma angustia ia se tomando conta.
 Sujeira, descuido, mau cheiro,
 ócio, breu,
 estrume, lodo, putrefação,
lama, ardência,
 são alguns dos muitos sinônimos
 de desleixo como um prédio que
já foi tão influente para o desenvolvimento local.


O que era galpão de armazém hoje é curral
para o gado da fazenda,
as outras instalações estão jogadas a esmo servindo
de depósito. Porém, mesmo com toda essa falta
 de cuidado a soberba estação tende a manter
sua beleza onipotente.



  Detalhes encobertos pelo tempo,
como as janelas com suas folhas guilhotinas, os guichês onde
 eram adquiridas as passagens,
a velha caixa d’agua de ferro trazida da Inglaterra
datada de “1888”, a “Sala para Senhoras”,
 tudo mantém as características originais.
 A atmosfera ali dentro é sufocante,
 dá vontade de ir embora,
 o ar contaminado te conduz até a plataforma de desembarque
 encoberta pela sombra das arvores tão
próximas.



E nesta hora o desejo era embarcar nos tempos áureos da Cel. Pereira Lima,
 que pelas suas dimensões permite entender o significado da palavra importância.




 Fomos embora, como ela ordenou!

  * Essa nomenclatura ferroviária entre novo e
 antigo foi uma maneira de diferenciar os
trechos desativados e/ou erradicados dos trechos
novos em atividade. Um leito erradicado é um
trecho desativado e sem os trilhos,
 enquanto que trechos desativados
têm os trilhos, mas sem uso.


24 de maio de 2011, 13:18 h.
zona rural de Salles de Oliveira - SP